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‘Uyinene Mrwetyana, uma sul-africana de 19 anos, foi violada e morta na África do Sul.’
Sempre que lemos um romance ou qualquer artigo sobre violação, parece-nos
familiar. Porque será? Violação é familiar! Como pode algo tão cruel ser comum
e presente na vida de tantas mulheres? A minha vida toda, nunca conheci nenhuma mulher que nunca tivesse sido violada. Não se questionem quem porque além de sermos
seres tão frágeis que facilmente nos encontramos nessa situação, somos também seres
de uma castidade estúpida que nos impede de revelar o acontecido.
Muitas de nós adquirimos resiliência para superar, outras infelizmente mergulharam-se
em traumas profundos - é o caso da Khensani Maseko, outra sul-africana, que se
suicidou o ano passado após ter sido violada pelo namorado. Mas os casos de abuso
sexual não acontecem só na África do sul. Acredita que todas mulheres já foram
violadas, em algum lugar, em algum momento, de alguma maneira. Mesmo sendo vítimas,
somos responsabilizadas por nos encontramos nesse capítulo obrigatório da vida
de toda mulher. Dizem que o nosso pesadelo nasce de uma devoção cega por contos
de fadas, que nos impossibilita de ver a essência do violador.
O primeiro violador que eu admirei era meu vizinho, era o moço mais bonito da
minha rua e as histórias que ouvia sobre ele nunca abalaram esse amor fictício.
Uma vez enquanto estava sentada nas escadas do prédio, ouvi a sua namorada em
conversa com alguém a dizer que ele a pediu para dormir com os amigos dele. Vou
tentar ser mais clara e usar o nosso calão peculiar– ele disse que se ela realmente
o amasse devia aceitar que os amigos dele lhe dessem “gera”. Sim gera! Não gera
de gerar amor, gerar vida…aquele gera em que tu te tornas num girassol e todo
mundo vem colorir.
Eu gostaria muito que essa fosse a única vez que me relataram sobre estes
acontecimentos miseráveis, mas não. Ouvi sobre tantas geras nessa vida...Lembro-me
de ouvir que uma rapariga numa festa, enquanto estava embriagada foi violada num
quarto por vários homens. Um entrava e saia, entrava outro e saia, e assim
consecutivamente. Eles nunca usaram a palavra “violar”, se calhar não tinham noção
do que estavam a fazer, e naturalmente se exoneram desse crime. É engraçado como
as palavras em Português se contradizem, para uns as exonerações é tirar todo o
poder, para outros, exonerar alguém é ser assassinada por criminais e nunca os
culpabilizar.
Porquê que nós mulheres amamos o nosso violador? Amamos tanto que procuramos
outras palavras para omitir o verdadeiro significado da palavra violação,
criamos mil versões do que aconteceu, e ilibamos o nosso querido. Temos medo de
enxergar a pessoa pelo o que ela realmente é, porque se não existe violador,
não existe violação.
Quando finalmente ganhamos coragem para falar, dizem que queremos atenção.
Parece que somos novamente violadas e desrespeitadas, contestando a veracidade
do que nos aconteceu e menosprezando a nossa dor... parece uma guerra que nunca
vamos ganhar. Somos obrigadas a nos calar para “não fazer show” e “não estragar
a festa”. Há quem diga que quando não desabafamos o nosso corpo fala de outra
maneira, pelas atitudes...e a raiva se apodera de nós.
Com o tempo, aprendemos que não estamos a desabafar para os outros mas sim
para nós. Deixamos os traumas evaporarem com as benesses da vida. Estas a ver quando
cantores choram enquanto cantam ou quando os dançarinos sorriem enquanto dançam,
são as emoções a falarem pelas suas dádivas, e é assim que me sinto agora enquanto
escrevo. Encontramos um refúgio, onde nos libertamos. Depois disso vem o perdão...a
fase mais difícil para quem já amou um violador. Ás vezes achamos que já o perdoamos,
mas não, só realmente alcançamos a paz do perdão quando ele é posto em causa. Lembro
quando o meu violador encontrava-se num momento de agonia e hesitei em estender-lhe
a minha mão...mas finalmente o fiz. Doeu, doeu muito, doeu desligar-me de
pensamentos de como injuriar o meu violador, e doeu ainda mais ter que perdoar alguém
que não merecia o meu perdão e ainda é completamente alheio ao sentimento de
remorso. É vergonhoso e desapontante ainda amar o meu violador...mas não é aquele
amor enfermo que lhe vangloria, mas sim aquele amor originado de fé, que nos
ensina a esquecer e a relevar.
Porquê que amamos violadores?…
Reviewed by Lunga Noélia Izata
on
janeiro 14, 2020
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Amei... Estas de parabéns linda escritira. Não para de escrever tá. Bonito texto e serviu-me de reflexão
ResponderExcluirMuito obrigada :)
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