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África sem censuras

Era um domingo e celebrávamos o septuagésimo aniversário do meu ‘tio avó’. Aproveitando o momento de celebração, ele começou o seu discurso, que é habitual dos africanos para mostrar o quanto a sua vida tem sido resiliente, pregando que gostaria de ter tido uma vida diferente, que queria ter seguido o seu sonho de cantar, mas infelizmente foi lhe impossibilitado. Ele dizia que a sua irmã mais velha (minha avó), proibiu-o de ser cantor e até hoje trazia com ele o rancor na sua energia. Já é difícil viver com os nossos próprios erros mais difícil ainda viver com a falta de aceitação do rumo que a nossa vida levou.

 

 

 

Porém, é fácil pôr as culpas na minha avó, mas na verdade, a sua mentalidade que forçou que determinasse a carreira do seu irmão mais novo, nasceu em África. Uma África que nos ensina a não sonhar. Quem nasce em África, nasce com o cordão umbilical preso à terra e as condicionantes de viver nela. Vivemos num continente que reúne países ‘em desenvolvimento’, ou melhor, que serão ‘eternamente desprovidos de desenvolvimento’ porque o termo apresenta algo que está a decorrer, e no nosso caso, estamos estagnados!

 

 

 

Em Angola, a falta de integridade vocacional e de devoção à realização pessoal, torna o angolano escravo do dinheiro. O angolano ordinário trabalha para pagar contas e nada mais. Ele desconhece o que é seguir sonhos e sentir-se completo. Porém, não podemos culpá-los por essa cega procura monetária, porque a nossa cultura impõe-nos uma enorme responsabilidade em que somos forçados a trabalhar para sustentar o leque infinito de parentes.

 

 

 

É de louvar a nossa generosidade e espírito de família, mas a mesma também nos leva à tal afamada corrupção. Nessa ‘religião’ de ajudar a família, tiramos oportunidades de outrem para dar aos nossos, e assim criamos teias de nepotismos oscilantes. Pelo menos, esses dividem os seus ganhos, enquanto outros afundam-se em poços solitários de ostentação.

 

 

 

É difícil falar do angolano sem mencionar a classe alta, porque a mesma apodera-se de tanto que até apropria-se do protagonismo do país. Há que relembrar que existe uma classe que não usufrui do monopólio da burguesia e dos ganhos da economia petrolífera liderada pelo estado, que inicialmente visava um crescimento para o povo, mas enganaram-se no público alvo. Este público esquecido, vive a base dos ganhos de um mercado informal, protótipo dos fenómenos deste século ‘on demand’ e ‘delivery services’.

 

 

 

O mercado informal apesar de destabilizar o IRT e os dados estatísticos do país, contribui para o sustento de muitas famílias angolanas e para um comércio acessível. O angolano, assim, cria um modelo de rendimento rentável sem árbitros.

 

 

 

Apesar de conseguirem ser estratégicos na sua sobrevivência, existe um número significativo de pessoas sem acesso á educação. Mesmo com as escolas públicas na periferia, o ensino não tem qualidade e as escolas não oferecem um ambiente saudável para o desenvolvimento académico do aluno. Escolas onde o salário do professor não é motivador; onde os professores namoram com alunas; onde professores manipulam notas ou as usam para chantagear alunos; e onde os professores não tiveram uma formação e assim cria-se um ciclo vicioso de iletrados e futuros integrantes da taxa de desemprego. Perdão pelas anáforas mas são muitas repetições de desumanidade.

 

 

 

Estudos apontam que o ensino angolano foi deteriorando com o tempo. Antigamente, uma boa educação não exigia uma fortuna e o governo era impulsionador da educação através da distribuição de bolsas de estudo, que formaram muitos dos actuais governantes do país. Mas à esses ilustres, apesar dos vários diplomas, faltou-lhes amor aos seus semelhantes.

 

 

 

Se falarmos de saúde, será irrefutável como a distopia Angolana infringe todas as normas dos direitos humanos. Desde a falta de saneamento à falta de equipamentos nos hospitais. O lugar onde procuramos a cura esta empestado de ‘funcionários essenciais’ que tratam os seres humanos com atitudes desumanas. E o angolano não reclama, e nem exige os seus direitos porque não teve uma formação que lhe incutisse o poder de protestar e impor.

 

 

 

Os profissionais de saúde não os únicos que usam os seus uniformes para descontar a raiva das suas vidas miseráveis. Os policiais na mesma cega retaliação em que procuram culpados pelo descarrilamento das suas vidas, oferecem às ruas um tratamento lastimável. E mesmo assim o angolano não reivindica os seus direitos.

 

 

 

O angolano usa o seu sofrimento para as artes, em que criam estilos de música/dança como o ‘Kuduro’; letras inteligentes que narram o seu quotidiano; instrumentais de ‘Kizombas’ que hipnotizam o corpo; coreografias de dança que poderiam ser usadas no Cirque du Soleil; poesia Slam que toca na alma; e memes em que ‘fazem pouco’ das suas próprias aflições e mesmo assim, viralizam. Estas aptidões poderiam levar-lhes ao desenvolvimento se tivessem nascido noutro lugar, todavia, se tivessem sido abençoados noutra terra não adquiririam tais faculdades.

 

 

 

Apesar da falta de PNL (Programação Neurolinguística); de gozarem de mentes completamente colonizadas e sem vestígios de identidade própria; e de auto-estima baixa que tentam disfarçar com bens materiais, não podemos ignorar a sua resiliência disfarçada em humor, em que o ‘ladrão furta e mesmo assim pede que a vítima dance’. É uma analogia que representa a relação entre o ladrão e vítima (governo e o povo), a constante humilhação do povo e espelha também como o angolano sofrido é forçado a encarar a vida com leveza.

 

 

 

Contudo, o angolano é aclamado pelo mundo como vaidoso, mas nessa mesma vaidade existe igualmente dedicação, alegria, resiliência, liderança e generosidade sem taxas e impostos.

 

 

 

 

 

O Zimbabwe, apresentou-me a classe média, era uma classe que desconhecia por ter nascido na camuflada ditadura - Angola. Parecia que lá se podia ter uma vida amena, sem mendigar ou bajular. Lembro-me de ir com a minha mãe acompanhar uma tia que ia ter o bebé. A tia que nos recebeu tinha uma casa enorme, a casa tinha um quintal tão grande que parecia uma quinta. Nos meus poucos anos de idade, concluí que a minha tia era rica. Hoje, vejo que o Zimbabweano soube aplicar a noção ‘pouco é muito quando se sabe gerir’.

 

 

 

O facto da minha tia ter escolhido o Zimbabwe para dar à luz ao seu filho, leva-me a concluir que eles tinham um sistema de saúde bom, ou talvez, simplesmente melhor do que Angola. Mas o Zimbabweano discorda, eles defendem ter um sistema de saúde vulnerável e que consequentemente causa muitas mortes. Em conversas com eles, alegam também que são poucos os que se especializam em saúde.

 

 

 

Porém, eles são conhecidos por serem intelectuais, denominam-se os ‘melhores faladores de inglês’, e constantemente procuram oportunidades académicas, tornando-os nos grandes detentores de doutorados em África (depois dos Nigerianos). E assim, refugiam-se na África do Sul para formarem-se e acabando por ser os melhores da turma e ocupar cargos melhores do que os nacionais.

 

 

 

Durante a minha estadia, pareceu-me serem um povo simples e que conseguiu vencer a vida mandatária impingida ao africano. Mas ao longo do tempo eles retrocederam, tornaram-se uma sósia de Angola. Foram perdendo o dólar e o valor deles como seres humanos. Tornaram-se num povo desconfiado, por terem confiado tanto no seu líder e ele os ter decepcionado.

 

 

 

O país tornou-se na expressão idiomática ‘elephant in the room’ (elefante no quarto) em que traduz que existe um problema óbvio presente. Todo mundo vê e sente, mas ninguém fala. Essa metáfora associo ao governo do Zimbabwe, em que governantes violaram todas a regras e agarraram-se ao poder sem piedade.

 

 

 

 

 

Considero a Namíbia um ‘underdog’, uma pátria oprimida, sem ego. Apesar de usar um estrangeirismo para descrevê-la, a mesma não é influenciada pelo estrangeiro, alienou-se da jactância da sua vizinha Angola e da desconfiança do Zimbabwe. Preocupam-se com o seu povo e isso lhes basta. Essa independência, é notável no comércio e relações internacionais. E essa segurança (convicção) , sente-se literalmente no dia-a-dia, inclusive nos transportes públicos. E os taxistas honestos acomodam tanta gente nos seus táxis, embora o país não dá espaço para corrupção.

 

 

 

É de regra, os aeroportos serem longe do centro da cidade, mas na Namíbia o aeroporto é tão ábdito, e o caminho tão dificultoso que parecia que Windhoek era isolada, como se eles estivessem em quarentena do mundo, para a pandemia dos problemas africanos não lhes afectarem.

 

 

 

 É um povo que não se sente intimidado pelo estrangeiro, pelo contrário, estão abertos para aprender. A saúde é razoavelmente boa e as taxas de desemprego podem ser altas, mas o desempregado não se torna um verme ou um esquecido pela sociedade. Apesar de desconhecerem muitos problemas do típico africano, ainda estão na categoria ‘em desenvolvimento”, e ainda têm muito que trabalhar.

 

 

 

Há dias apercebi-me que muitos de nós não sabemos usar o elevador, e temos tanta pressa que nunca paramos para fazer as coisas devidamente. O elevador quando está num andar que não é o rés-do-chão apresenta dois botões - para subir e para descer. Quando estás a espera do elevador carregas no botão que demostra o que pretendes fazer ou o que queres que o elevador faça? Complexo, não é? Muitos de nós  acreditamos que se queremos descer, e se o elevador estiver num andar abaixo de nós, devemos apertar no botão com a seta para subir para que ele venha ao nosso encontro, mas não. Estamos equivocados e talvez essa mera distração espelha o atraso no desenvolvimento dos nossos paises africanos.

 

Se o elevador funcionasse assim, no rés-do-chão não existiria só um botão. Ao meu ver, os namibianos entendem como funciona o ‘elevador do desenvolvimento’.

 

 

 

 

 

Apaixonei-me perdidamente pelos ‘Estados Unidos de África’ e fiz questão de voltar várias vezes e até morar lá por um ano. No entanto, aprendi que falta muito mais no africano do que estabilidade financeira. O sul africano apesar de viver em boas infraestruturas, onde o ‘musseque’ não tem areia vermelha, eles são um povo preso ao passado. Eles não honram a sua história, pelo contrário, transforma-na em rancor.

 

 

 

É do conhecimento geral, a opressão racial e a exploração da maioria autóctone por um sistema retrógrado, racista e injusto. O apartheid tornou a sociedade sul africana dividida, e condicionou a raça negra a ser a raça pobre. Isto, fez com que o povo ganhasse uma obsessão cega por ter mais que a raça branca, e assim perderam-se em competições, deixaram de olhar para seu o jardim e passaram a olhar para o dos outros.

 

 

 

Apesar das lutas internas e da baixa auto-estima nascida nos separatismos e da repercussão da segregação, o povo sul africano é íntegro e honesto. Nos transporte públicos foi onde os consegui observar empiricamente. Sempre que passasse o dinheiro, chegava até ao cobrador são e salvo, certinho. Este exemplo pode considerar-se uma analogia ao seu sistema de governação, em que os fundos destacados para certas implementações sempre chegam ao destinatário.

 

 

 

De certeza que eles discordam da afirmação anterior porque estão sempre a procurar falhas no sistema político. Eles reclamam da corrupção, mas são simplesmente vítimas embrionárias em comparação com Angola e a Nigéria. Contudo, não podemos criar níveis de corrupção, qualquer porção de corrupção não deverá ser ignorada.

 

 

 

O sul africano é um activista nato, mas ao longo dos protestos perdeu-se na ‘ostentação da boca’. Nessa incessante paixão por protestos, eles ganharam amor pelas guerras e esqueceram o objectivo que os levou à guerra. No entanto, de tanto terem voz, eles criam estúdios, palcos, e tablados para artistas. Lá os artistas são vangloriados, eles são admirados por terem e por seguirem sonhos. Há quem diga que o desenvolvimento de um país está no reflexo das iniciativas que eles apoiam e na África do Sul, o prestígio dado ao artista denota uma extrema ‘responsabilidade social’.

 

 

 

É incontestável que eles foram os impulsionadores da mídia em África, mostraram-nos o poder das nossas vozes e a importância da liberdade de expressão. Outrossim, usaram-na também para emancipação económica. Diz-se por aí que a indústria da mídia foi cúmplice na criação da imagem de uma sociedade sofrida, afectada pelo HIV. Alegadamente, a indústria farmacêutica usou os meios de divulgação para passar ao mundo dados errados sobre a contaminação do HIV no país, e assim, conseguirem doações do estrangeiro.

 

 

 

O que referi atrás, serve para defender a imagem dos sul-africanos como ‘seropositivos’ e não para pintá-los como oportunistas. Independentemente das inverdades e dos estereótipos, como o exagero da criminalidade na mídia, considero-os pessoas de extrema bondade, humildade e amor. E eles tentam velar por isso desde o princípio, quando escolhem o nome dos seus filhos, nomes difíceis de pronunciar mais fáceis de seguir, tornando-se manuais de vida. Tais como Nokuzola que significa ‘serenidade’, ou Sibabalwe que significa ‘somos abençoados’. Nomes esses que pretendem determinar uma vida de paz e sabedoria, e uma nação próspera.

 

 

 

 

 

Vamos subir um pouco para África do Leste, onde é considerada a ‘pérola de África’ e a ‘África de verdade’, onde os cinematográficos americanos usam as suas condições precárias para ilustrar a África ao mundo. Nos outros países que mencionei, as infraestruturas conseguem iludir um pouco, em que alguns prédios modernos escondem as valas. Em Uganda, não! A pobreza está na vitrine.

 

 

 

Apesar do deserto de areia vermelha, ele não impossibilita as pessoas de se movimentarem. Kampala não pára, parece New York. Veículos, pessoas e animais a circularem a todo o momento. As actividades económicas giram em torno da agricultura e serviços, especialmente telecomunicações e banca. O país tem também grandes reservas de petróleo que irão alterar as suas perspectivas económicas.

 

 

 

Na educação, notei que a maioria tem acesso a mesma, mas é mais um ‘deja vu’, tendo em conta que não tem qualidade. O governo cria sistemas de educação grátis para a primária e a secundária, e os pais pagam menos do que 10 dólares para a merenda escolar. Para a universidade, são necessárias bolsas de estudos e notas de mérito para ingressar, mas com as condições de falta de luz e agregados familiares tão grandes que não proporcionam a paz necessária para estudar, é quase impossível tornar-se um ugandense licenciado.

 

 

 

Os poucos que se licenciam, ainda podem fazer parte da pertinente taxa de desemprego. Entre conversas com os ugandenses, frisaram que o sistema de educação de Uganda está desajustado, o que também influencia na procura de emprego. A educação académica ainda usa as mesmas ferramentas de ensino implementadas pelos britânicos no tempo colonial.

 

 

 

75% da população tem menos de 35 anos, mas os jovens não conseguem cimentar o desenvolvimento. Porém, aos poucos vão almejando um futuro melhor através de programas de voluntários e oportunidades de intercâmbio. Fiquei três semanas com jovens da organização AIESEC (‘organização mundial de estudantes focada em intercâmbio para desenvolvimento de liderança’), e acompanhei as suas lutas diárias, em que constantemente inscrevem-se para oportunidades profissionais e académicas.

 

 

 

Focando na colonização britânica, noto que os países que o inglês era mandatário desenvolveram um bocado mais que os francófonos e os lusófonos. Talvez porque inglês é a língua ‘universal’ e as nações com melhor estabilidade no mundo usufruem dele. Por exemplo, países como Uganda, Zimbabwe e Namíbia, aderem as ‘boarding schools’, os polémicos ‘internatos’, que formam o carácter dos adolescentes, através de aulas de formação cívica e lições sobre higiene pessoal.

 

 

 

Uganda fez-me lembrar Angola, em que os centros de saúde constantemente provocam mortalidade infantil e materna; e a falta de electricidade provoca mortes nos hospitais, em situações que a vida do paciente depende de um respirador ou de uma máquina qualquer que esteja ligada á electricidade.

 

 

 

Durante a minha estadia em Uganda, fiquei na aldeia de Wakiso onde avaliei um sistema de poupanças entre os moradores. Trabalhei com a KIFAD, uma organização da comunidade que cria grupos de moradores para poupar dinheiro e assim contribuírem para o produtivismo. Em visitas á famílias de Wakiso para monitorar o impacto das poupanças, notei que são um povo simples, e que as suas condições económicas não lhes afectavam tanto porque pareciam alheios as circunstâncias a sua volta.

 

 

 

Um amigo ugandense disse-me que “Uganda está a tornar-se um estado capitalista”. Aos poucos eles estão a deixar de ser socialistas porque a maioria do rendimento do governo está a tornar-se privado. O povo está a gozar de projectos que visam tirar-lhes da miséria e dar-lhes fontes de rendimento. E assim, aos poucos a classe baixa deixa de existir.

 

 

 

O país está enraizado nas suas tradições, tribos e rituais, e certos hábitos marcaram-me para sempre. No dia em que me apresentaram as latrinas, fiz inúmeras perguntas de como as usar, e o que fazer com elas. Eles disseram-me que aquelas latrinas eram das melhores porque eram muito fundas e levariam anos a encher. Deduzi que não tinham planos de deixar de as usar, e que num futuro próximo não modernizariam as suas casas de banho. Concluí que se contentavam com pouco, e espelhavam uma ambição amena. Ao fim da minha aventura em Kampala, levei-os como um povo amigo, educado, amável e que sabem quem são, e não são influenciados por nada, nem ninguém.

 

 

 

 

 

Vamos falar um pouco dos francófonos. No Congo, fiquei surpreendida com o povo porque carregava comigo uma impressão negativa deles, devido a imagem do ‘Congo Democrático’. Em Angola, quando se faz referência a algum lugar com muita gente e desordem, diz-se ‘parece um Congo!’ (referindo-se ao Congo Democrático). Subestimei-os e eles superam-se na organização e na educação.

 

 

 

Apesar da pobreza, consequência de um sistema capitalista e de frequentes desfalques financeiros, a pobreza deles não é atordoante. As ruas são limpas e o mercado informal não é palco de desordem e de crianças a volta, enquanto os seus pais vendem as suas mercadorias.

 

 

 

Todavia, existe falta de diversidade nos sectores económicos e nas industrias; e as actividades económicas concentram-se nas duas maiores cidades do sul do país. Lá, encontra-se grande quantidade de matéria prima (madeiraproveniente do Norte) e maior facilidade de fazer negócio devido aos portos internacionais, aglomeração da população e urbanização.

 

 

 

Frisando novamente, há quem defenda que francófonos estão atrasados em relação aos anglófonos, por existir constantes conflitos/guerras que afectam o desenvolvimento; ou porque as políticas são mais conservadoras em questões das taxas de energia, água e transportes, resultando em um défice infra-estrutural. Sem embargo, para acelerar o desenvolvimento, países como Congo estão a motivar os seus estudantes a submeterem-se a treinos de liderança. Durante um treino de pan-africanismo em Brazzaville, notei que gradualmente o povo está a ser munido pelas noções de ‘guerras não violentas’ e militância inteligente. Esses treinos foram criados para suscitar mudança em países africanos e para promover elikia (Lingaga - em português ‘esperança’).

 

 

 

 

 

Em uma semana a trabalhar em Accra, estudei os Ganenses delicadamente – principalmente as suas prácticas tradicionais. Em conversa com eles sobre certos rituais que refutam os direitos humanos, eles mencionaram a ‘mutilação genital feminina’, em que meninas sofriam a remoção de parte dos seus órgãos sexuais para não sentirem prazer e evitar a gravidez precoce. São prácticas como essas que urgem que tradições sejam abolidas. Por outro lado, fiquei impressionada com outros hábitos deles, como comer com as mãos. A priori, poderá ser considerado estranho para quem não está habituado, mas, segundo a investigadora Adriana Madzharov, “o toque direto desencadeia uma resposta sensorial aprimorada, tornando os alimentos mais desejáveis e atraentes”; e é um método mais fácil e higiénico, em que não se partilha talheres.

 

 

 

Aquela terra parece uma ilha desenvolvida, com infraestruturas que espelham desenvolvimento ou dinheiro bem investido. Apesar da brisa suave, peculiar de terras cercadas por água, faz muito calor, um calor que cansa e sufoca. Mas não abafa a notável qualidade de vida, fruto da classe média em crescimento; a expansão do sector agro-industrial e a evolução para uma economia digital.

 

 

 

O crescimento do Gana é amplo e progressivo, principalmente agora com a implementação do secretariado da Zona de Livre Comércio em Accra. Uma iniciativa da União Africana que visa contribuir para a industrialização dos países africanos e a redução da dependência da China e Europa. A mesma poderá contribuir para aliviar a pobreza, criar empregos e promover a igualdade no Gana e em todo o continente Africano.

 

 

 

Apesar dos bons ventos que se aproximam, no contexto social, decepcionei-me com os Ganenses. Não posso generalizar e sei que o problema também é predominante em outras regiões de África, mas não esperava que mulheres Ganenses estivessem presas à noção de que certas oportunidades são destinadas a certos tons de pele. E assim, embarcam numa busca incessante para obter uma pele mais clara, usando overdoses de cremes de clareamento.

 

 

 

 

 

E finalmente no centro de África, na sagrada Abissínia – Etiópia, onde vivi 14 meses e onde sofri literalmente um ‘cultural shock’. Começando pelo o seu calendário diferente, em que estão atrasados sete anos em relação ao calendário gregoriano, o que metaforicamente justifica a sua falta de desenvolvimento. Além disso, o país criou uma nova classe social, abaixo da classe baixa, onde a maioria dos habitantes não são ‘pobres’ mas sim ‘miseráveis’. Um trabalhador de um Banco, por exemplo, um ‘Caixa’ ganha o equivalente a 40 dólares e isto denomina-se um bom emprego.

 

 

 

Formações académicas não são encorajadas porque um profissional de uma empresa nacional ganha o mesmo que uma empregada doméstica. As ruas são habitadas pelos ‘sem abrigo’, famílias pedem esmolas usando os seus filhos como objectos de persuasão. Apesar de não admirarem a vida académica e de muitos desistirem e aceitarem a vida das ruas, uma grande parte mostra ser determinada e impulsiona o mundo do empreendedorismo, fazendo de tudo um negócio.

 

 

 

Dizem que ‘o antónimo de pobreza é justiça’ mas num país onde os políticos são tão influentes, não há justiça? Durante o tempo que residi em Addis Ababa apercebi-me da paixão pela ‘guerra das palavras’, semelhante aos sul africanos. Apesar da miséria, no mundo político não existe escassez ou privações, tendo em consideração que os partidos opostos e o povo têm voz. Mas claro que o governo tenta sempre os calar, e eu presenciei de perto estas tentativas. Ficamos três semanas sem internet no país todo porque durante um atentado (uma disputa política), o governo decidiu impossibilitar a comunicação entre protestantes e a transmissão de ‘fake news’ ao mundo.

 

 

 

Apesar da opressão política, eles refugiam-se nas redes sociais. Porém, usam plataformas que não são tão populares lá fora, semelhante a China que criou uma plataforma só deles. Existe inúmeras semelhanças entre os dois países, como por exemplo: o costume de beber chá; a arquitectura e decorações extravagantes; e o grande potencial para agricultura e investimentos industriais, criando diversos parques industriais na zona industrial do Jimma. Iniciativas essas que surgiram de consórcios com a China.

 

 

 

Addis Abeba também é considerada a maternidade da diplomacia, onde organizações e projectos filantrópicos estabelecem-se na mesma para melhorar África. Mas será que a Etiópia não é África? Porque várias vezes vi prédios destas mesmas organizações com publicidades a dizer ‘Fighting Against Hunger’ (Lutando contra a fome) e a frente uma família completamente desnutrida a viver em barracas. Todavia, grande parte destas organizações promovem a industrialização de África, e cooperação entre países. Tendo como exemplo, parcerias entre a Etiópia e o Brasil que resultou nos projetos ‘Fortalecimento da Capacidade Técnica Etíope na Exploração e Manejo Sustentável de Florestas’, e no ‘Apoio técnico ao manejo de solos ácidos para uso agrícola’.

 

 

 

Nos aspectos sociais, não são o típico africano orgulhoso, de tal modo que não se consideram ‘africanos’. Talvez por terem feições físicas mais inclinadas para o mundo europeu ou por adquirirem muitos hábitos dos asiáticos - o instrumental das músicas; as decorações das casas, as danças, as religiões, etc. Apesar de negarem a sua identidade africana, são alvos dos mesmos problemas. Desde as doenças impingidas a nós como Anemia falciforme, Cólera e a Malária aos problemas como a falta de electricidade e água, poluição, etc.

 

 

 

Não obstante a grande presença muçulmana no país, o etíope é razoavelmente liberal. Eles além de serem um povo unido e feliz, oferecem às suas mulheres respeito, consideração e uma devoção que deve servir de exemplo para muitos países africanos. Os Habeshas são bastonários na arte da vida, espalhando uma energia única. 

 

 

 

Ser africano é viver a volta de histórias e sátiras. Se todos os africanos fossem vídeo bloggers (vloggers) haveríamos de quebrar records de visualizações com os nossos relatos. Em Angola, no Zimbabwe, na Namíbia, na África do Sul, em Uganda, no Congo, no Gana, e na Etiópia, ouvi vários contos interligados sobre amigos que se encontraram em situações que não tinham dinheiro para o transporte, mas precisavam chegar à casa, e mesmo assim só com esperança no bolso, continuaram. E, eventualmente, no caminho depararam-se com um compatriota de boa fé que os ajudou.

 

 

 

São narrativas como essas que nos fazem emancipar de certas tribulações na ascensão ao desenvolvimento. Claro, que oito exemplos não representam a África na totalidade, e tendo em conta que não mencionei a África Setentrional. Mas optei por falar dos países africanos por onde passei. E em cada viagem, aprendi que não podemos avaliá-los como palavras ‘homógrafas’. Há certos factores socioeconómicos que num podem ser restrições e em outros vantagens. Por exemplo, as chuvas em Luanda, destroem moradias, mas as chuvas em Addis Ababa trazem uma agricultura próspera.

 

 

 

Vejo a África como uma arca congeladora (frigorífico/ freezer horizontal) e nas minhas visitas á Europa, reparei que raramente usam arcas, talvez porque não existe a necessidade ou cautela de armazenar comida para algum futuro incidente, e também não têm o hábito de alimentar tios, primos, sobrinhos, etc. Na arca africana está-se em constante alerta para o que se aproxima, congela-se as dores e os problemas, e armazena-se os aspectos socioeconómicos para alimentar estudos em prol do desenvolvimento.

 

 

 

Neste artigo de opinião, crítico com constantes menções negativas, conclui-se que o povo africano depois de tantos embates tornou-se traumatizado, mas o trauma deixa de ser penoso e passa a ser um combustível quando paramos de nos apegar a ele. Nós, os africanos viemos ao mundo com certas limitações para nos superarmos e alcançarmos a mestria da vida.

 













 


















África sem censuras África sem censuras Reviewed by Lunga Noélia Izata on setembro 29, 2020 Rating: 5

8 comentários:

  1. Magnifico, como todos os outros "pensamentos" e livros. Keep up the good work. Continua a falar de Africa com passagens ppela RDC, Rwanda, Kenya, Camaroes, Senegal e Cabo Verde. Uma Africa tambem muito interessante. Beso. Mizata

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  2. Fantastic! Keep sharing your beautiful stories about the Motherland "Africa", you're doing a great job by writing those inspiring experiences. I will definitely add Kampala in my bucket list.

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  3. Lindo artigo, começei a ler pelo facto de um amigo ter partilhado no seu status do whatsapp, e acabei abrindo o pc para poder estar a vontade.

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  4. Artigo muito insightful. Por nascermos em África somos levados a lutar pela sobrevivência (direitos chegam a ser "utópico"),mas é bom sempre ler pontos positivos sobre a mãe África.

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About me

I am willing to share my own stories and use my platform to talk about movies, books, music, volunteering, traveling and relationships.

My first publication was a fiction novel ‘Sem Valor’ (meaning Worthless) where I addressed autism and prostitution; wrote a short-fiction story ‘Hello. My name is Thulani’ featured on ‘Aerial 2018’ about transgender issues and represents an allegory of identity crisis, meaning everyone is in transition to something; co-authored with six African authors on a motivational book ‘Destiny Sagacity’ about the power of destiny; my memoir ‘The story is about me’ tells my adventures volunteering in Uganda and staying with a family in the village of Wakiso; and my recent offering “Read my Book’ is a fictional approach to apartheid.

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