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Comentário a obra de Kanguimbo Ananás - Seios e ventres

Diz-se que ‘uma obra tem o poder de fazer chorar ou rir’...na verdade, uma obra deve ter a capacidade de despertar quaisquer emoções possíveis. ‘Seios e ventres’, que desde o título nos prepara para uma leitura sem tabus, recita diferentes maneiras de como o nosso corpo representa liberdade de expressão.


A capa revela que o título da obra é literal, sem rodeios, e sem vergonha. Na capa, encontramos uma mulher de pele negra, descoberta, com acessórios tradicionais e que sorri para nós. Por de trás dela, encontramos a sua projeção, apresentado mais três mulheres. A priori, deduzimos que os poemas terão como temas as mulheres, mas abordam muito mais. Na capa, somos convidados também a analisar cada detalhe, desde o umbigo, o céu e um mar que se escondem por trás das mulheres, e nesta pintura começamos a imaginar os versos que se seguem.


Não sou amante de poesia, mas sei apreciar uma. Entendo que não tenho um dom para escrever tão pouco e impactar tanto. A poesia é uma música num volume baixo, que nos acalma. Quando penso em escrever poemas, imagino-me a colher feijões. Sim! Parece fácil...mas é uma atividade que leva tempo e cuidados. E assim, escolhe-se com calma cada palavra e monta-se um puzzle.


No puzzle da Kanguimbo, perdi-me várias vezes. Lia, relia… e voltava a ler, até entender. Parecia que a obra era um conjunto de códigos difíceis de decifrar. Não sei se a ordem dos poemas foi propositada mas cada vez que lia um, entendia o outro e assim sucessivamente. Apesar da poesia não ser uma narrativa com uma sequência de eventos que levam a um fim, na última página consegui ver “the bigger picture”. Tudo ficou claro...


Cada poema desencadeia curiosidade e desejo de querer saber mais. Em várias instâncias, pus-me no Google a procurar o significado das palavras e a história por detrás. Os poemas pareciam mensagens encriptadas ou tentativas figurativas intitulativas. Foi difícil concentrar-me nos poemas em si, porque perdia-me sempre em devaneios a tentar encontrar respostas. Estes pequenos poemas, de poucas palavras mas de grande lições, verbatim representam manifestação do pensamento e de inúmeras sensações. Nas primeiras páginas do livro, entre prefácios e comentários, falou-se em coragem e devo congratular a Kanguimbo pela sua bravura. Ser escritora é uma pré-condição para ser corajosa…coragem de ser ousada, de ser ela mesma, de ser criticada, de ser ridicularizada, ou de ser mal interpretada...mas ao tempo ser audaz, perspicaz, vitoriosa e vencedora. Essa tal coragem nasce na construção de um livro, é desafiada na edição e ergue-se no seu lançamento.


Logo no primeiro poema, começo por gritar em vez de ler. Tento ler mas as palavras saem como gritos. As nuvens robustas despertam em mim uma vontade de usar uma interjeição indicativa de chamamento, uma espécie de invocação para dar ênfase ao conteúdo do poema. O título já nos tinha preparado para uma overdose de seios, e apesar da falta de pontuação, os versos têm direção, e sabemos que depois dos seios, vem o ventre.


Na minha humilde interpretação, vejo as maravilhas do planeta terra – a lua, o mar, e o céu, como metáforas, em que representam coisas que não podemos tocar, somente admirar (como os seios).


Por outro lado, o sol surge como uma contradição, em que pode provocar panaceia ou desconforto dependendo da intensidade. O mesmo faz-me associa-lo a atividade sexual, em que feita com respeito e amor, é uma bênção, porém, quando exercida com brutalidade e falta de consentimento, queima.


As minhas suspeitas são confirmadas, quando nos deparamos logo em seguida com um poema que grita a palavra ‘assédio’ e aí, sabemos que devemos dar a devida atenção a mensagem. O verso ‘mãos atadas’ instiga o medo pelo assédio, mas na mesma estrofe, a palavra ‘esperança’ acalenta-nos.


Os poemas além de apelaram pelo respeito e admiração as mulheres, pedem também que admiremos Angola. Fala-se sobre Kalandula, e associamos logo as quedas de Kalandula, e lá vou pesquisar mais sobre a minha terra. E assim, a obra serve como um lembrete para apreciarmos Angola e os seus tesouros.


As palavras ‘areia’ e o ‘arco-íris’, encontradas em alguns poemas, pintam cada vez uma paisagem magnífica. A gonguenha e a kitaba, acompanhadas de personificações sobre a atividade sexual, dão-nos mais uma vez uma aula sobre Angola. E aos poucos vamos sabendo mais sobre a terra da Palanca Negra, da geografia á gastronomia.


Este guia turístico, cheio de expressividade, deixa-me sempre a desejar. No poema 'Oceanos sussurrando', vou sussurrando para mim mesma se “febres dos oceanos” é uma antítese, eufemismo ou hipérbole. Em 'Noites champanhéticas', somos convidados a celebrar no Rio Kwanza, presumo. Nessa celebração sou invadida pela imagem de um útero, e a comparação ríspida do mesmo com rosas de espinhos. E sem nos apercebemos, já passamos os seios, e o umbigo.


No 'Galho das emoções', a expressão ‘os suores dialogam’ levam-nos automaticamente a imaginar dois corpos próximos a comunicarem-se de maneiras diferentes. E o efeito dessa comunicação leva os ‘seios a apaixonaram-se’. Na Kabanga masculino, noto que por norma o último verso do poema é a definição dos versos anteriores. E assim, ponho-me a voltar em cada poema e analisá-los mais uma vez.


No 'Anseia verdades', conclui que a ‘mingueleka’ foi tão agradável que até deu sono. Um sentimento tão prazeroso que levou ao auge, ao descanso… No 'Seios figuras geométricas', seguimos as ordens da Kanguimbo, em que a poetisa diz ‘desgusta amor…’, e assim continuamos nesse caminho de emoções. No Njango, sou desafiada a pesquisar novamente e descubro que o njango significa ‘eu acordei’. Depois da ‘mingueleka’ a ter adormecido, ela acordou.


No 'Vem meu yate', encontramos o umbigo, o tal umbigo exposto na capa e que ‘quer poesia’. No mesmo poema, nos deparamos com ‘quilapanga’, mais uma palavra para adicionar a minha lista de vocábulos novos, escolhidos para preservar a vulgaridade de chamar as nossas zonas privadas pelo nome.


E assim seguimos…com a pontuação silenciosa do poema 'Desejo singular', em que leio “cansada, aluguei” mesmo sem a presença da vírgula, e entendo que o que levou-a a alugar o seu ventre e a alma foi o cansaço. No 'Amor sem chão', interpretamos que o físico, a ‘chama’ e o toque sustentam uma relação sem amor. E apesar de alugar o seu ventre e alma ela oferece a sua ‘cereja’. Achei irónico usar uma fruta tão europeia, quando fomos nos habituando aos kitutes da terra.


Nesta trilha sonora, mas com o som baixo, somos invadidos por cheiros, aromas, sensações… Cada poema foi imprevisível, apresentando comparações como néctar das flores, ‘o qual as borboletas se alimentam’, ao leite materno; e o corpo de uma mulher, a um forno (‘seios estão em brasa’). Neste conjunto de poemas, encontramos também apropriações de palavras, em que a parte púbica da mulher torna-se marimba, pirilampo, kilapanga, muxima, entre outras…as mesmas preservam as mulheres e respeitam a sua intimidade.

 Nestas espécies de acrónimos sem nomeações de sujeitos, justificados a esquerda das folhas, encontro-me a andar por Angola e explorá-la, e aberta para novas emoções.


Lunga Izata

29.05.2021



 

Comentário a obra de Kanguimbo Ananás - Seios e ventres Comentário a obra de Kanguimbo Ananás - Seios e ventres Reviewed by Lunga Noélia Izata on setembro 18, 2021 Rating: 5

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I am willing to share my own stories and use my platform to talk about movies, books, music, volunteering, traveling and relationships.

My first publication was a fiction novel ‘Sem Valor’ (meaning Worthless) where I addressed autism and prostitution; wrote a short-fiction story ‘Hello. My name is Thulani’ featured on ‘Aerial 2018’ about transgender issues and represents an allegory of identity crisis, meaning everyone is in transition to something; co-authored with six African authors on a motivational book ‘Destiny Sagacity’ about the power of destiny; my memoir ‘The story is about me’ tells my adventures volunteering in Uganda and staying with a family in the village of Wakiso; and my recent offering “Read my Book’ is a fictional approach to apartheid.

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