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Tudo penso...tudo doí


É meia-noite em Addis Ababa… o confinamento apesar de isolamento dá-me a liberdade de dormir as 3 da manhã, comer de madrugada, ver filmes até o sol raiar ou não fazer literalmente nada. Porém, essa libertinagem priva-me de gerir os meus pensamentos, põe-me num coma emocional em que sinto a dor de todos...uma mina de sentimentos, em que qualquer passo mal dado, explode em mim uma empatia que me mata aos poucos. Não tenho livre-arbítrio sobre o que quero reflectir e sou obrigada a pensar em tudo e a sentir tudo.

Nos últimos dias não paro de pensar na Érica…Érica Basílio, a rapariga que lutou contra uma tentativa de estupro e foi assassinada na Ilha do Mussulo no dia 1 de Janeiro de 2020. Talvez por não parar de ouvir a sua voz num vídeo no Youtube onde encanta os viewers e mostra o seu talento. Na música, ela diz:

“You bring me down, talk s*** when I am not around. You are friends with everybody, show up at every party. I don’t think you are ready for this!”

Ela fala de uma relação amorosa e narra que pelos comportamentos do rapaz, ela concluiu que ele não estava preparado para uma relação.

Nós também não estávamos preparados para essa notícia na fase precoce de 2020. Não conhecia a Érica, mas sinto que a perdi. Ela podia ser uma amiga, uma colega, uma prima. Quantas vezes atravessamos o Mussulo de madrugada para celebramos um novo ano nas infames festas de dia 1. Quantas de nós, na nossa impaciência de aturar filas e sob a influência do frenemy álcool ignoramos o senso comum e fazemos da areia o nosso wc.

Sempre cresci a ouvir histórias de como o Mussulo era palco de massacres na época de festas. E para piorar, a minha avô dizia “sempre que vocês vão á praia alguém morre...”, ela fazia referência as ondas mortais mas não da maré das atitudes dos seres humanos. A Érica não se afogou no mar mas foi brutalmente empurrada no mar dos homens, onde eles nadam sem escrúpulos, e mergulham em zonas proibidas, e só pensam em saciar a sua sede.

Eles não estragaram só uma vida, os sonhos de uma mãe, de uma família; e letras de mùsicas que nunca serão finalizadas; eles estragaram também a simbologia e a imagem do nosso refúgio. O Mussulo sempre foi o nosso confinamento saudável, a quarentena mais esperada, onde o vírus da cidade não nos alcançava. Que mundo é esse que estraga tudo que é belo? Que mundo é esse que cala uma voz tão bonita e que tinha tudo para brilhar?

Oiço a tua voz para acalmar-me... para não me perder nas atualizações da app da vida. Vejo alguns filmes para distrair-me e neles encontro analogias para salvar-me dessa reclusão de sanidade. Estás a ver aqueles filmes em que forçam pessoas lúcidas a serem internadas em hospícios, porque querem tomar posse do seu negócio ou um dos pais quer a guarda dos filhos. Nesse asilo são forçados a tomar certos medicamentos...para mim, tragédias como essas são estes medicamentos. Estou num manicómio emocional e cada notícia que oiço sou obrigada a engolir, mas quero vomitá-las.

A notícia da Érica há seis meses que me tortura... há seis meses que me vejo no lugar dela, a ir com uma amiga ao quarto-de-banho e tomarmos essa decisão ingénua. Érica... quero que saibas que não foi essa decisão, nem a roupa que vestias, nem o facto de teres sido corajosa e teres defendido a tua amiga...nenhuma delas foi a razão da tua partida! O que te tirou deste mundo foi a maldade do mundo.

Queria saber mais de ti, o que te fazia feliz, o que te alegrava, o que te atormentava...nunca vou poder ter este privilégio, mas na letra da tua música, encontro a tua maturidade, sabedoria, talento, pureza, beleza, amor... Fico feliz por teres tido a oportunidade de te apaixonares, por teres tido essa experiência na terra. Apesar das desilusões amorosas, o amor ainda é um dos poucos sentimentos que nos faz ficar por cá.


Descansa em paz  

https://www.youtube.com/watch?v=Pqkh81Cjn-I



Tudo penso...tudo doí Tudo penso...tudo doí Reviewed by Lunga Noélia Izata on junho 26, 2020 Rating: 5

9 comentários:

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About me

I am willing to share my own stories and use my platform to talk about movies, books, music, volunteering, traveling and relationships.

My first publication was a fiction novel ‘Sem Valor’ (meaning Worthless) where I addressed autism and prostitution; wrote a short-fiction story ‘Hello. My name is Thulani’ featured on ‘Aerial 2018’ about transgender issues and represents an allegory of identity crisis, meaning everyone is in transition to something; co-authored with six African authors on a motivational book ‘Destiny Sagacity’ about the power of destiny; my memoir ‘The story is about me’ tells my adventures volunteering in Uganda and staying with a family in the village of Wakiso; and my recent offering “Read my Book’ is a fictional approach to apartheid.

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